Resenha sobre AUTONOMIA E PRÁTICAS INFORMAIS DE APRENDIZAGEM MUSICAL: UM DIÁLOGO ENTRE PAULO FREIRE E LUCY GREEN


Resenha de Artigo

Simões começa falando sobre as motivações pessoais dos educandos para aprender música, e fala como as motivações podem ser diferentes dependendo de onde as crianças estão aprendendo, se dentro ou fora da escola.

Ele vai misturar: "os princípios de autonomia desenvolvidos por Freire (1996), aliados à Teoria dos Significados (GREEN, 2008a) e o processo de desenvolvimento da consciência crítica (FREIRE, 1959, 1967, 1979, 1987), culminando no Processo de Conscientização Musical Crítica (SIMÕES, 2019)."(pag. 11)

Ele sintetiza Freire da seguinte forma: 

"o educando aprende de maneira global, não limitando o seu aprendizado ao acúmulo de conhecimentos descontextualizados e que não fazem sentido para sua vida. Dessa maneira, uma prática pedagógica pautada na autonomia do educando rejeita a neutralidade do processo educativo e concebe a educação como dialógica, conduzindo-o a um pensar crítico sobre sua realidade (FREIRE, 1959, 1967, 1979, 1987, 1996)."

Freire constata que o processo educativo sempre é mais complexo do que o professor falando e o aluno ouvindo. Acho interessante pois essa perspectiva não deve ser apenas do ensino básico, do letramento e alfabetização, mas deveria ser pensado em todos os processos educacionais, até do ensino superior e além... Muitas pessoas falam que a "educação muda a sociedade", mas isso não é verdade. A educação crítica, voltada para a realidade e que busca transformar a sociedade, pode fazer algo. A educação, como diz Freire, bancária, funcional, ou apenas técnica, não necessariamente.

Na página 13-14 ele cita Green sobre o processo de aprendizagem do músico popular:

"o aprendizado dos músicos populares (GREEN, 2002, 2012, p. 67-68), a saber: (a) escolhem as músicas que desejam aprender, geralmente oriundas de um contexto familiar; (b) realizam uma escuta atenta e intencional aprendendo as músicas através do processo de cópia e reprodução; (c) aprendem em grupos de amigos com afinidades e gostos musicais comuns sem a supervisão de um professor; (d) aprendem de forma casual e pessoal, sempre com prazer; e (e) associam atividades de ouvir, tocar, compor e improvisar."

Lendo assim, me parece um mundo perfeito. Porém, se o desenvolvimento do músico popular for assim, será que ele é acessível a todos? Contexto familiar? Nem todos tem... Grupos de amigos não é necessariamente um espaço seguro... Enfim... Entendo que ela não fz juizo de valor como se "popular fosse bom, e tradicional fosse ruim, mas acho importante destacarmos isso para não parecer que um é "certo" e outro "errado".

A partir dos princípios acima Green propõe um ensino popular da música, dentro do espaço da escola: (a) enculturação, (b) desenvolvimento auditivo, (c) trabalho em conjunto, (d) autonomia, e (e) aprendizagem significativa.

Simões explica então o conceito de Green de Musicalidade Crítica, dizendo que é o resultado da mistura entre Autonomia Musical, Autonomia Pessoal e Autenticidade de Aprendizagem de Música.

Para chegarmos na musicalidade crítica, ele propõe um processo de conscientização baseado na ideia de Freire de "consciência intransitiva para o estágio de transitividade ingênua , que poderá se encaminhar para a consciência crítica ou para a consciência fanatizada."

Uma coisa que me chama atenção é que, em nenhum momento ele fala de música. Até aqui, tenho dúvidas sobre consciência DE QUE ele quer falar... Imagino que seja consciência sobre o seu papel no mundo, e suas atitudes críticas na sociedade, mas sempre me faz pensar se os matemáticos e biólogos pensam sobre isso também. Sinto que o pensamento crítico não tem a ver com ensinar música, e acho que isso enfraquece um pouco nossa posição. Me parece que queremos usar a música para transformar a sociedade, porém focamos tanto na transformação que esquecemos da música, e no final, não fazemos uma coisa nem outra. 

Acho que a excelência e o discursos musical artístico entram aqui. A música pode ser transformadora por si mesma, sem precisarmos fazer discursos textuais explícitos. Mas só conseguimos isso se nos esforçarmos e fizermos com todo a intenção (excelência?) possível. Se não não chegamos a fazer uma experiência significativa. Nesse aspecto lembro muito de Ricardo Castro, José Henrique e minha professora Ilza que sempre falam sobre o poder da música e do fazer música, além do discurso.


Talvez uma ilustração disso, com Paulo Freire, ou com alfabetização, seja: um professor de alfabetização ensina algumas palavras e o básico de leitura, mas não forma os alunos para dominarem essa habilidade, mas os motiva a questionar as formas de escrita, mesmo sem eles saberem o que colocar no lugar.

Seria tentar criar uma revolução na leitura por pessoas que sabem o básico de leitura, porém não tem compreensão de texto.

Neste último parágrafo da página 17-18 ele fala: "o aluno se encontra massificado, pressionado musicalmente por imposições ideológicas advindas da mídia e indústria cultural. Além de sofrer a influência da herança da pedagogia tradicional conformada pela Educação Bancária"

 Pensando em música, ele fala contra a música midiática, mas também critica a "herança tradicional", o que poderíamos entender por "música clássica"? Ou seja, teria que defender a música popular, mas não o mainstream, ficando com nosso choro e MPB (grosso modo)? Mas e quanto à bagagem do aluno?

Sinto que quando entramos em repertório (e ele entra nessa questão quando critica as "imposições ideológicas") acho que podemos perder o foco nos conteúdos musicais. O professor de matemática pode escolher entre somar carneiros, cachorros ou cangurus, dependendo da realidade do aluno. Mas ele está ensinando a somar. Sinto que quando discutimos repertório, ficamos nessa discussão pelo próprio repertório, a aí cairemos em: gosto pessoal, vivência dos alunos, orientação escolar, etc... e esquecemos da habilidade ou do conteúdo musical por trás disso.

Por fim ele conclui falando que essa conscientização através da música é o "inédito viável". ele fala muito apaixonadamente, mas também fala que não foi feito, e que pra isso precisa de muita luta e esforço. Fico imaginando a realidade de professores de música por ai afora que já precisam de muita luta e esforço pra poderem falar em sala de aula. Sinto que Simões tem ideia muito legais, porém acho que aqui entra a distância entre a teoria e a prática. Esse artigo provoca o pensar, porém não sugere, ao meu ver, nenhum caminho prático para professores.

Ponto 1. Não acredito que podemos conscientizar através da música se os alunos não dominarem minimamente o fazer musical. O professor tem a missão de trabalhar conteúdos musicais técnicos para que, quando o aluno ter autonomia no fazer, aí sim ele começar a ter consciência para descontruir ou construir uma alternativa. 

Ponto 2. Trabalhar com o que vem dos alunos é bonito na teoria. Vamos pensar na prática: Você entra numa sala de 10 alunos (fui bonzinho, a realidade te da mais de 30). Tem alunos que tem algum conhecimento, tem alunos evangélicos, alunos que gostam de rap, alunos que não gostam... Se você usar uma música de um grupo, você vai estar renegando o outro. E isso sem contar todos os outros aspectos além do gosto e do background musical deles. Acredito que o professor (ou a escola) deve ter uma proposta muito bem formulada para convencer os alunos que eles não estão aprendendo tal música por que sim, mas pois ela trabalha tal e tal e tal conteúdo que eles precisam para se desenvolver. Pode-se até ter algumas opções e os alunos escolherem , sem problema. Mas deixar aberto e utilizar alguma música por que o professor ACHA ou até mesmo os alunos acham e não tem certeza do que querem, não acho bacana.

Ponto 3. Vivo para transformar socialmente quem eu trabalho, mas acho que temos que relativizar o papel da música nessa transformação. O professor de música melhora ou piora seu ambiente assim como o professor de português, ciências ou química. Mais que pensar nosso repertório, temos que pensar nossas atitudes e posturas perante o conhecimento e o processo educativo.


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